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Henri Michaux por Jardel Dias Cavalcanti




A PAZ DOS SABRES


Ao longo do caminho de uma vida sem fim entre solavancos e choques, encontrei grande paz. Depois de obstáculos e contratempos, e novamente em plena derrota, eu a reencontrei e ela era grande demais e mais que suficiente.


Mesmo uma folha em uma atmosfera perfeitamente calma de fim de tarde se movia excessivamente para mim.


Mesmo o rochedo não era sólido ou suficientemente poderoso. Ao passar a luz e a sombra evasiva sobre ele, irredutivelmente ele se soltou da rocha com a qual cobria a natureza inteira.

Imobilidade! Imobilidade! A quietude era meu único pedido. Os vivos não tinham misericórdia. Longe disso. Eles eram aqueles de quem eu sentia a necessidade mais imperiosa de tornar para sempre imperturbáveis.


Lançando-lhes sabres, facas, espadas, não parei até que, inflexíveis, todos laminados, se detiveram.


Toda fraqueza reabsorvida, ferozes, indescritivelmente ferozes, eles mergulharam numa eternidade que nada poderia fazer contra eles.



LA PAIX DES SABRES


Sur le trajet d’une interminable vie de cahots et de coups, je rencontrai une grand paix. Après des traverses et des revers, et encore em pleine défaite, je la rencontrai et plutôt elle était trop grande que pas assez.


Même une feuille dans dans une atmosphère parfaitement calme de fin d’après-midi bougeait à l’excess pour moi.


Le roc lui-même n’était pas solide ni puissant à suffisance. Par les passages sur lui da la lumière et de l’ombre évasive, fâcheusement il se relâchait du rocher intransigeant dont je caparaçonnais la nature entière.


Immobilité! Immobilité! Immobilité était mon seul commandement. Les vivants n’avaient pas grâce. Loin de là. C’étaient eux que je me sentais les plus impérieux besoin de fixer à jamais impertubés.


Les lardant de sabres, de cimeterres, d’épées, je ne m’arrêtais pas avant que, inflexibles, tout en lames, ils ne s’arrêtassent eux-mêmes.


Toute faiblesse résorbée, farouches, indiciblement farouches, ils entraient dans une éternité qui ne pouvait plus rien contre eux.



MINHAS OCUPAÇÕES


Raramente consigo ver alguém sem bater nele.

Outros preferem o monólogo interior. Eu não. Gosto mesmo é de bater.

Tem gente que senta na minha frente num restaurante e não fala nada, fica um pouco porque já decidiu comer.

Eis aqui um.

Eu o agarro, pá.

Eu o pego para você, pá.

Eu o penduro no cabide.

Eu o desço.

Eu repito.

Eu pego novamente.

Eu o coloco sobre a mesa, embalo e o sufoco.

Eu o sujo, eu o inundo.

Ele revive.


Eu o enxáguo, eu o estico (começo a ficar com raiva, é preciso acabar com isso), eu o amasso, eu o aperto, eu o condenso e coloco no copo e, ostensivamente, jogo o conteúdo no chão, e digo ao rapaz: "Dê-me, então, um copo mais apropriado."

Mas me sinto mal, acerto prontamente a conta e vou-me embora.



MES OCCUPATIONS


Je peux rarement voir quelqu’un sans le battre.

D’autres préferènt le monologue intérireu. Moi, non. J’aime mieux battre.

Il y a des gens qui s’asseoient em face de moi au restaurant et ne disent rien, ils restent um certain temps, car ils ont décidé de manger.

Em voici un.

Je te l’agrippe, toc.

Je te le ragrippe, toc.

Je le pends au porte-manteau.

Je le décroche.

Je le repends.

Je le redécroche.

J ele mets la table, je le tasse et l’´touffe.

Je le salis, je l’inonde.

Il revit.


Je le rince, je l’étire (je commence à m’énerver, il faut em finir), j ele masse, je le serre, je le résume et l’introduis dans mon verre, et jette ostensiblement le contenu par terre, et dis au garçon: “Mettez-moi donc un verre plus prope”.

Mais je me sens mal, je règle promptement l’addition et je m’en vais.



QUE ELE REPOUSE EM REVOLTA


No escuro, à noite estará sua memória

no que sofre, no que escorre

no que busca e não encontra

na barcaça de desembarque que racha na

encosta

no início da partida o som da bola assobiando

na ilha de enxofre estará sua memória.


Naquele que tem sua febre em si mesmo a quem

não importam os muros

naquele que dispara e não bate a cabeça senão

contra os muros

no ladrão impenitente

nos fracos para sempre recalcitrantes

na varanda destruída estará sua memória.


Na estrada que assombra

no coração que busca sua praia

no amante que seu corpo foge

no viajante que o espaço corrói.


no túnel

no tormento voltando-se sobre si mesmo

naquele que ousa ofender cemitérios.



QU’IL REPOSE EN REVOLTE


Dans le noir, dans le soir sera sa mémoire

dans ce qui souffre, dans ce qui suinte

dans ce qui cherche et ne trouve pas

dans le chaland de débarquement qui crève sur

la grève

dans le départ sifflant de la balle traceuse

dans l’île de soufre sera sa mémoire.


Dans celui qui a sa fièvre en soi à qui

n’importent les murs

dans celui qui s’élance et n’a de tête que

contre les murs

dans le larron non repentant

dans le faible à jamais récalcitrant

dans le porche éventré sera sa mémoire.


Dans la route qui obséde

dans le coeur qui cherche sa plage

dans l’ amant que son corps fuit

dans le voyageur que l’ espace ronge.


Dans le tunnel

dans le tourment tournant sul lui-même

dans celui qui ose froisser les cimetières.



* * *


Na órbita ígnea das estrelas que

colidem enquanto estouram

no navio fantasma, na noiva murcha

na canção crepuscular estará sua memória.



Na presença do mar

na distância do juiz

na cegueira

na taça de peixe.


No capitão dos sete mares

Na alma de quem lava a adaga

No órgão da tubo que chora por todo

um povo

no dia do espeto em oferta.


Na fruta de inverno

Nos pulmões na retomada das batalhas

No louco num barco a remo.


Nos braços torcidos dos desejos para sempre

insatisfeitos

estará sua memória.



* * *


Dans l’ orbite enflammée des astres qui se

heurtent em éclatant

dans la vaisseau fantôme, dans la fiancée flétrie

dans le chanson crépusculaire sera sa mémoire.



Dans la présence de la mer

dans la distance du juge

dans la cécité

dans la tasse à Poisson.


Dans le capitaine des sept mers

dans l’âme de celui qui lave la dague

dans l’orgue em roseau qui pleure pour tout

un peuple

dans le jour du crachat sur l’ offrande.


Dans le fruit d’hiver

dans le poumon des batailles qui reprennent

dans le fou dans la chaloupe.


Dans les bras tordu des désirs à jamais

inassouvis

sera sa mémoire.




Tradução: Jardel Dias Cavalcanti


Fonte: BERTELÉ, René (org.). Henri Michaux: une étude, une choix de poèmes et une bibliographie, un manuscript, des inédits, des dessins e des peintures. Paris: Editions Pierre Seghers, 1949. (Poétes d’Aujoudhui. 5).




Henri Michaux nasceu em 24 de maio de 1899, em Namur, Bélgica, e morreu em 1984, com 85 anos, em Paris. Poeta, pintor e viajante, trabalhou também durante a época do Surrealismo, embora esta informação sirva somente para situar sua produção. Michaux evitou ser rotulado de surrealista ou de qualquer outra coisa. Com uma obra extensa, tanto na poesia quanto nas artes plásticas, seu relato de maior sucesso como viajante foi “Um bárbaro na Ásia” (*), uma espécie de diário de andanças pelo continente. Também fez experiências com a alteração da consciência, como desenhos e poemas sob e sobre a influência de drogas alucinógenas, em especial a mescalina. Este não foi seu principal mote, mas é um dos dados mais divulgados sobre a vida do poeta. “Escrita livre”, “temperamento particular”, consciente da solidão intrínseca da condição humana e por vezes irônico e sarcástico; apesar destes índices, a melhor maneira de entrar em contato com Michaux, claro, é lendo-o, mas não só: viver o instante da leitura, o momento, que nunca é preso por palavras. Afinal, segundo ele, as palavras chegam “mais tarde, sempre mais tarde”.

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