A PAZ DOS SABRES
Ao longo do caminho de uma vida sem fim entre solavancos e choques, encontrei grande paz. Depois de obstáculos e contratempos, e novamente em plena derrota, eu a reencontrei e ela era grande demais e mais que suficiente.
Mesmo uma folha em uma atmosfera perfeitamente calma de fim de tarde se movia excessivamente para mim.
Mesmo o rochedo não era sólido ou suficientemente poderoso. Ao passar a luz e a sombra evasiva sobre ele, irredutivelmente ele se soltou da rocha com a qual cobria a natureza inteira.
Imobilidade! Imobilidade! A quietude era meu único pedido. Os vivos não tinham misericórdia. Longe disso. Eles eram aqueles de quem eu sentia a necessidade mais imperiosa de tornar para sempre imperturbáveis.
Lançando-lhes sabres, facas, espadas, não parei até que, inflexíveis, todos laminados, se detiveram.
Toda fraqueza reabsorvida, ferozes, indescritivelmente ferozes, eles mergulharam numa eternidade que nada poderia fazer contra eles.
LA PAIX DES SABRES
Sur le trajet d’une interminable vie de cahots et de coups, je rencontrai une grand paix. Après des traverses et des revers, et encore em pleine défaite, je la rencontrai et plutôt elle était trop grande que pas assez.
Même une feuille dans dans une atmosphère parfaitement calme de fin d’après-midi bougeait à l’excess pour moi.
Le roc lui-même n’était pas solide ni puissant à suffisance. Par les passages sur lui da la lumière et de l’ombre évasive, fâcheusement il se relâchait du rocher intransigeant dont je caparaçonnais la nature entière.
Immobilité! Immobilité! Immobilité était mon seul commandement. Les vivants n’avaient pas grâce. Loin de là. C’étaient eux que je me sentais les plus impérieux besoin de fixer à jamais impertubés.
Les lardant de sabres, de cimeterres, d’épées, je ne m’arrêtais pas avant que, inflexibles, tout en lames, ils ne s’arrêtassent eux-mêmes.
Toute faiblesse résorbée, farouches, indiciblement farouches, ils entraient dans une éternité qui ne pouvait plus rien contre eux.
MINHAS OCUPAÇÕES
Raramente consigo ver alguém sem bater nele.
Outros preferem o monólogo interior. Eu não. Gosto mesmo é de bater.
Tem gente que senta na minha frente num restaurante e não fala nada, fica um pouco porque já decidiu comer.
Eis aqui um.
Eu o agarro, pá.
Eu o pego para você, pá.
Eu o penduro no cabide.
Eu o desço.
Eu repito.
Eu pego novamente.
Eu o coloco sobre a mesa, embalo e o sufoco.
Eu o sujo, eu o inundo.
Ele revive.
Eu o enxáguo, eu o estico (começo a ficar com raiva, é preciso acabar com isso), eu o amasso, eu o aperto, eu o condenso e coloco no copo e, ostensivamente, jogo o conteúdo no chão, e digo ao rapaz: "Dê-me, então, um copo mais apropriado."
Mas me sinto mal, acerto prontamente a conta e vou-me embora.
MES OCCUPATIONS
Je peux rarement voir quelqu’un sans le battre.
D’autres préferènt le monologue intérireu. Moi, non. J’aime mieux battre.
Il y a des gens qui s’asseoient em face de moi au restaurant et ne disent rien, ils restent um certain temps, car ils ont décidé de manger.
Em voici un.
Je te l’agrippe, toc.
Je te le ragrippe, toc.
Je le pends au porte-manteau.
Je le décroche.
Je le repends.
Je le redécroche.
J ele mets la table, je le tasse et l’´touffe.
Je le salis, je l’inonde.
Il revit.
Je le rince, je l’étire (je commence à m’énerver, il faut em finir), j ele masse, je le serre, je le résume et l’introduis dans mon verre, et jette ostensiblement le contenu par terre, et dis au garçon: “Mettez-moi donc un verre plus prope”.
Mais je me sens mal, je règle promptement l’addition et je m’en vais.
QUE ELE REPOUSE EM REVOLTA
No escuro, à noite estará sua memória
no que sofre, no que escorre
no que busca e não encontra
na barcaça de desembarque que racha na
encosta
no início da partida o som da bola assobiando
na ilha de enxofre estará sua memória.
Naquele que tem sua febre em si mesmo a quem
não importam os muros
naquele que dispara e não bate a cabeça senão
contra os muros
no ladrão impenitente
nos fracos para sempre recalcitrantes
na varanda destruída estará sua memória.
Na estrada que assombra
no coração que busca sua praia
no amante que seu corpo foge
no viajante que o espaço corrói.
no túnel
no tormento voltando-se sobre si mesmo
naquele que ousa ofender cemitérios.
QU’IL REPOSE EN REVOLTE
Dans le noir, dans le soir sera sa mémoire
dans ce qui souffre, dans ce qui suinte
dans ce qui cherche et ne trouve pas
dans le chaland de débarquement qui crève sur
la grève
dans le départ sifflant de la balle traceuse
dans l’île de soufre sera sa mémoire.
Dans celui qui a sa fièvre en soi à qui
n’importent les murs
dans celui qui s’élance et n’a de tête que
contre les murs
dans le larron non repentant
dans le faible à jamais récalcitrant
dans le porche éventré sera sa mémoire.
Dans la route qui obséde
dans le coeur qui cherche sa plage
dans l’ amant que son corps fuit
dans le voyageur que l’ espace ronge.
Dans le tunnel
dans le tourment tournant sul lui-même
dans celui qui ose froisser les cimetières.
* * *
Na órbita ígnea das estrelas que
colidem enquanto estouram
no navio fantasma, na noiva murcha
na canção crepuscular estará sua memória.
Na presença do mar
na distância do juiz
na cegueira
na taça de peixe.
No capitão dos sete mares
Na alma de quem lava a adaga
No órgão da tubo que chora por todo
um povo
no dia do espeto em oferta.
Na fruta de inverno
Nos pulmões na retomada das batalhas
No louco num barco a remo.
Nos braços torcidos dos desejos para sempre
insatisfeitos
estará sua memória.
* * *
Dans l’ orbite enflammée des astres qui se
heurtent em éclatant
dans la vaisseau fantôme, dans la fiancée flétrie
dans le chanson crépusculaire sera sa mémoire.
Dans la présence de la mer
dans la distance du juge
dans la cécité
dans la tasse à Poisson.
Dans le capitaine des sept mers
dans l’âme de celui qui lave la dague
dans l’orgue em roseau qui pleure pour tout
un peuple
dans le jour du crachat sur l’ offrande.
Dans le fruit d’hiver
dans le poumon des batailles qui reprennent
dans le fou dans la chaloupe.
Dans les bras tordu des désirs à jamais
inassouvis
sera sa mémoire.
Tradução: Jardel Dias Cavalcanti
Fonte: BERTELÉ, René (org.). Henri Michaux: une étude, une choix de poèmes et une bibliographie, un manuscript, des inédits, des dessins e des peintures. Paris: Editions Pierre Seghers, 1949. (Poétes d’Aujoudhui. 5).
Henri Michaux nasceu em 24 de maio de 1899, em Namur, Bélgica, e morreu em 1984, com 85 anos, em Paris. Poeta, pintor e viajante, trabalhou também durante a época do Surrealismo, embora esta informação sirva somente para situar sua produção. Michaux evitou ser rotulado de surrealista ou de qualquer outra coisa. Com uma obra extensa, tanto na poesia quanto nas artes plásticas, seu relato de maior sucesso como viajante foi “Um bárbaro na Ásia” (*), uma espécie de diário de andanças pelo continente. Também fez experiências com a alteração da consciência, como desenhos e poemas sob e sobre a influência de drogas alucinógenas, em especial a mescalina. Este não foi seu principal mote, mas é um dos dados mais divulgados sobre a vida do poeta. “Escrita livre”, “temperamento particular”, consciente da solidão intrínseca da condição humana e por vezes irônico e sarcástico; apesar destes índices, a melhor maneira de entrar em contato com Michaux, claro, é lendo-o, mas não só: viver o instante da leitura, o momento, que nunca é preso por palavras. Afinal, segundo ele, as palavras chegam “mais tarde, sempre mais tarde”.
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