TRADUÇÃO VOLUME 5 NÚMERO 1
HISTÓRIA DE UM VELHO CHINAR,
O PLÁTANO DA CACHEMIRA,
APAIXONADO POR UMA MENINA
Tenho visto seus olhos buscando minha sombra verde
no verão quando os alces emergem da floresta
A menina oculta no oco de meu ventre, no papel de
Zooni ansiando por Yusuf. Fui do verde
ao vermelho ao amarelo ao marrom ao açafrão em chamas
enquanto ela aguardando seu amor folheou estações.
Gargalhadas ao brincar de lakad lakad:
canções de ninar nascidas sob meus galhos—tantas
histórias de infância. Agora mulher curvada,
pele enrugada como o primeiro rascunho de um poema
descartado como reflexão posterior, espiou pela janela o pai,
que descanse em paz, rufando com as mãos pele de ovelha
esticada na boca do longo tambor de barro:
‘Em Farsi, Che significa Que. Nar é Fogo. Chenar
Chinar – Que Fogo –a quem pertence o som?
Eu, lendário fogo. Chinar.’
Seu sorriso amolecia rugas. Fiquei enciumado
quando beijou seu amado sob meus galhos.
Roubei sua sombra, ocultei-a no meu bojo
decidido a nunca mais a devolver.
Agora, ela a procura por toda parte. Enraivecida
quer me queimar – como ousa!
Sou a memória invisível de suspiros, de beijos
furtivos. Sou ou não um elo com os fios de seda
que ela atou às tulipas de madeira em templos Sufi?
Não queimariam comigo fios oníricos?
Desapareceria ou não o travo dos beijos?
Sei que persigo o surreal, sonhando
a estranha consumação de uma menina por um velho Chinar sombrio.
Estou montando guarda no arqueado paraíso
enquanto a História desdentada ronca sob minha sombra.
As raízes da minha história estão na Cachemira.
A história da Cachemira nas minhas raízes.
O sol acaricia meus galhos. Oferto ao sol
Minhas mechas douradas. Muitos vagam à minha volta:
Quem gravou ‘AMNESIA’ no meu tronco?
Lentamente os cortes saram. Árvores não se recordam
de suas raízes. Feridas abertas libertam faíscas,
provocam Zooni a cantar gazals apaixonados.
Entoo a nênia para seu idioma cujas letras
foram escravizadas, papel arrancado da árvore ofendida.
Jhelum lança suas ondas contra embarcadouros,
Rompe as margens para afogar Srinagar no Dilúvio
do Século a cada três décadas.
Remadores impulsionam românticos shikaras,
remos com formato de coração ondulam a lua cheia.
O anelamento descarta a memória. Os homens não podem ser
meus heróis. Meu perigo não incita bravura.
Aguardo homens com motosserras para me degolar.
Ah, a inutilidade da violência—um Chinar
acéfalo ainda diz, RESISTENCIA.
Estar ereto é meu dharma. Uma vez abundante,
Agora sou Propriedade Registada do Estado.
Uma floresta rodopia. O vento acalma rochedos montanhosos.
Sob um céu de chumbo, uma pedra se dispara
cruza picos de turbante branco, cruza feridas
purulentas em toco após toco após toco amputado
ricochetando nos capacetes de coturnos que marcham
impulsivamente em fila indiana sobre a firmeza de seios murchados.
A partir da Árvore da Vida, adeus a uma vida.
Chinar, febre e cura. Che-Naar, Che-Naaar.
Que fogo é este? A quem pertence? O Fogo é.
STORY OF A GRAND PLD CHINAR,
KASHIMIR’S PLANE TREE,
IN LOVE WITH A YOUNG GIRL
I have seen her eyes searching my green shade
in summer when elks emerge from the forest,
the girl hid in the hollow of my womb, playing
Zooni yearning for Yusuf. I turned green
to red to yellow to brown to saffron on fire
as she flicked seasons waiting for her love.
Peals of laughter playing lakad lakad:
lullabies born under my branches –so
many stories of childhood. Now a bent woman,
flesh crumpled like the first draft of a poem
discarded as an afterthought, peeked through
windows at her father,
peace be upon him, pounding with bare hands
sheepskin stretched across
the belly of long-necked clay tumbakner: ‘In
Farsi, Che is What, Nar Fire—Chenar
Chinar—what Fire—whose lilt?
I, proverbial fire. Chinar.’
Her smile softened furrows. I was a tad jealous
as she kissed her lover under my branches.
I stole her shadow, hid it deep within me,
resolved never to give it back.
Now, she looks for it everywhere. Enraged,
she wants to burn me down—how dare she!
I am the invisible memory of sighs, of truant
liplocks. Am I not a link to silk threads
she tied to wooden tulips at Sufi shrines?
Will not dream threads burn down with me? Will not
the after taste of kisses vanish? I know
I’m stalking the surreal, dreaming
of an odd consummation of a young girl
by a shady old Chinar.
I am keeping watch at the arched paradise
while toothless History snores under my shade.
The roots of my history are in Kashmir.
The history of Kashmir is in my roots.
The sun caresses my branches. I give
the sun my golden streaks. Many loiter by me:
So, who has carved ‘AMNESIA’ on my bark?
Leisurely notches heal. Trees don’t remember
their roots. Open wounds free sparks, stirring
Zooni to sing loll ghazals. I hum
the dirge for your language whose letters
were enslaved, paper having left the tree
in a pique. Jhelum flings her waves at piers,
breaks banks to drown Srinagar in the Flood
of the Century every three decades.
Shikara wallahs row amorous shikaras,
heart-shaped oars undulate a full moon.
I shed memory girdling. Men can’t be
my saviours. My distress won’t bestow daring.
I await men with chainsaws to behead me.
Oh! the vainness of violence—a headless
Chinar still says, RESISTANCE.
Standing tall is my dharma. Once bountiful,
I am now Registered State Property.
A forest swirls. Wind calms mountain crags.
Under a gunmetal sky, a stone pelts itself
across white-turbaned peaks, across festering
wounds of amputated stump after stump
after stump, ricocheting on helmets
of jack-boots who troop brashly in single file
on the firmness of shrivelled breasts.
From the Tree of Life, goodbye to a life.
Chinar, fever and cure. Che-Naar, Che-Naaar.
What fire is this? Whose fire is that? Fire is.
Fala a Amendoeira Insone
Florações
Trazendo sua promessa fedem igual mato molhado.
Mutucas circundam minha cabeça.
Mulheres me contornam rumo
ao Hospital Psiquiátrico morro acima.
“Pétalas caem da amendoeira,” cantam,
“espalhando à volta a loucura.”
Não consigo respirar, tudo é chuvisco e umidade.
Ligue pro jardineiro, por favor.
Diga a ele para arar o solo sobre meus pés.
Diga a ele que estou doente. Não consigo balançar.
Minhas raízes apegam-se ao perfume evanescente de primaveras passadas.
Por que me fazer esperar tanto?
Por favor não me deixe regredir.
Eu disse que minhas feridas irão enferrujar
Se expostas por demasiado ao ar.
Querido Jardineiro, espero que logo regresses.
Vou comparar minha memória à sua.
Fiquei acordado todo esse tempo
Para abrigar a história de sua floração.
Insomniac Almond Tree Speaks
Blooms
Bringing your promise stink like dank weeds.
Horseflies circle my head.
Women bypass me on their way
to the Psychiatrist Hospital further up the hill.
« Petals fall from almond trees, » they sing,
« spreading madness all around. »
I can’t breathe, it’s all drizzly and damp.
Ring the gardener, please.
Tell him to plough the soil over my feet.
Tell him I’m sick. I can’t sway.
My roots cling to the fading scent of springs past.
Why keep me waiting long ?
Please don’t let me regress.
Didn’t I tell you my wounds will rust
if exposed for long to air.
Dear Gardener, I hope you will return soon.
I’ll match my memory against yours.
I stayed awake all this while
to shelter the story of your blossoms.
Medusa de Burca
Corro com o véu cerrado entre os dentes
enquanto seus farejadores de bombas latem para mim
Sobrevoo o céu em sandálias aladas
mastigando neoliberalismo de um pacote de batata frita.
Helicópteros espalham civilização sobre minha cabeça.
Você mira minha burca com armas inteligentes
mas não ousa me olhar nos olhos
pois vou transformar você em pedra.
Sou uma Medusa do Milênio
serpentes sob meu véu
Medusa in a Burkha
I run with the hem clenched between my teeth
as your bomb-sniffing dogs bark at me
I sail on winged sandals across a sky
munching neo-liberalism from a packet of chips.
Helicopters fan civilisation on my head.
You stamp my Burkha on smart guns
but dare not look into my eyes
for I will turn you into a stone.
I am a Millennial Medusa
serpents under my veil.
Leveza do Ser numa Região Insustentavelmente Militarizada
antes que estiquem arame farpado
à volta de nossas línguas
cantemos a floração das amendoeiras
antes que martelem nossas cabeças
para colher pensamentos pensemos
o que queiramos pensar
antes que cerquem nosso sono
sussurremos sonhos
dentro de ouvidos cruéis e frios
antes que nos ceguem
com rajadas de chumbo
espelhemos nossa escuridão
gravemos esta história
com pontas de dedos sobre palmas
antes que apaguem nossas palavras
Lightness of Being in a Heavily Militarised Zone
before they lay barbed wire
across our tongues
let’s sing of almond blossoms
before they hammer our heads to
harvest thoughts let’s think
what we want to think
before they wall our sleep
let’s whisper dreams
into cold cruel ears
before they blind us
with a burst of lead
let’s mirror our darkness
let’s engrave this story
with fingertips on palms
before they erase our words
Tadução: Mauricio Vieira
Asiya Zahoor é poeta, linguista, cineasta e professora. Estudou psicolinguística em Oxford e literatura da diáspora do Caribe na Universidade da Cachemira. Autora de livros, artigos e poemas sobre a política do lugar, da diáspora, do exílio, a identidade muçulmana e a psicologia do aprendizado de idiomas. Seu filme The Stitch foi premiado e exibido em diversos festivais de prestígio ao redor do mundo. Leciona atualmente literatura numa faculdade na Cachemira.
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