POESIA VOLUME 5 NÚMERO 2
O LOUCO
Muitos viram a loucura faiscar nos olhos dele.
A cabeça dançar como um pássaro.
A boca desaguar palavras sem caminho.
Viram os passos para nenhuma direção.
O silêncio como uma pedra.
O corpo poeirento e curvado.
O sonho tornando-se delírio.
A voz arranhando cavernas.
Não o vi. Mas lembro que há tempos o chamavam louco.
E que ele, obstinadamente, sempre sonhara um mundo são.
O POEMA QUE APAGO
O poema que apago é raiz da fome.
Pulsa a poesia incrustada na carne.
Garra fincada no paiol do peito.
Pássaro sangrando o poente.
Os versos são braços que renascerão.
Importa cavoucar a noite até encontrar o grão.
A palavra essencial que resvala e revela.
A TERRA
A mata crivando o sol é o mistério da palavra.
A terra abriga a árvore dentro da noite.
Guarda o som dos nossos sapatos, os zumbidos eletrônicos
e o tilintar elétrico.
Nosso legado é ferrugem, plástico e vidro.
A terra aguarda, doente, nosso corpo silencioso.
Sem dor, sem movimento, sem sonho.
O BURACO
Cheio de metáforas e antíteses desabrochou na parede.
De um lado pinturas abstratas da chuva.
Do outro, as cores móveis da rua.
Descarnada chaga floresceu.
De um lado mudez pálida e concreta.
Do outro, músicas multicolores.
Um dia a parede ruirá.
O muro cairá.
A rua desaparecerá.
Só o buraco resistirá, realidade sensível.
Flor de ausência a vicejar no cemitério do mundo.
O TIGRE QUE MASTIGA NOSSA CARNE
Para o nosso tempo não há palavra.
O som dos corpos na cova preenche o mundo.
Amanhã, a terra não terá cobrido todos os braços,
todos os lombos.
A voz será uma fera dentro do peito.
Tigre a mastigar nossa carne.
O poema terá cheiro de morte.
Cravos e rosas para o corpo distante.
Um mundo apodrecido.
O véu da morte já desceu pelas ruas.
Tomou as paredes, violou as portas.
E o céu é um límpido grito azul.
SUBTERRÂNEA
Nasci subterrânea.
Às vezes, solares cascas de arroz sobre mim.
Outras, pedras plácidas e mudas.
A teia de cabelos intransponível de pensamentos.
Nasci subterrânea.
Fera sob pelos de aço.
Pernas presas a longos fios musicais.
Serena, com o colar de águas-vivas.
Cresço,
A pele crestada de meu tempo fincada nos dias.
Este tempo córrego pela narina.
Cresço subterrânea.
O mato sempre mais viçoso dentro e sobre mim.
Cresce o rastro de onça na palma da mão.
Mão refugiada no bolso da pele.
Gramíneas crescendo sob as unhas.
SINGULAR
Na parede da caverna, poemo.
Em punho o sol.
A foto estrangula a moldura.
A boca ri os séculos.
Canções entranham:
o timbre ignoro.
Cinge a cabeça
um pensamento trôpego.
POENTE
O poema é sempre o assombro.
Por isso a retina pasma
em mosaico de palavras.
Os verbos se condensam sulfurosos.
Árvores seculares rasgam a visão.
Inscrevem-se no vento.
O crepúsculo nasceu no monte de tijolos.
Um sol morrendo em tabletes.
A palavra não quer desvendá-lo.
Quer ser, com a argila em poente.
Laurenice Nogueira da Conceição (Laura Nogueira) é poeta, autora do livro Poema pequeno, ganhador do Prêmio Literário da Fundação Cultural do Estado do Pará – FCP, na categoria poesia, em 2016. Seu livro Habitamos Sem Rosto, aprovado para publicação pela editora Patuá, está no prelo. Em 2012, ganhou o prêmio da Academia Paraense de Letras, com a obra Porque uma flor é grito matéria, ainda não publicada. Mestra em Estudos Literários pela UFPA, é professora e reside em Belém. É natural de Uruará, cidade do interior do estado do Pará. É poeta participante da antologia O vento continua, todavia – Dez vozes da poesia contemporânea em Belém, publicada pela Kotter Editorial, em 2020.
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