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9 poemas de Lau Siqueira



PORNOGRAFIA BRASILEIRA


madrugada três meninos ajeitam seus lençóis de sacos e jornais no mercado público de mangira chove




TINTO SECO

Querido diário. Vírgula. Novalinha. Sou um cidadão do meu tempo. Ponto. Olho ao redor e vejo que a esperança habita somente os olhos de quem luta. Ponto. Vejo tudo pelo olhar que assusta. Ponto. Vejo a louca entre a viagem e a musa. Ponto, ponto, ponto. Vejo a vida difusa. Ponto. Inconclusa. Ponto. E ponto. Ponto.




DISTOPIA


não me iludo


há um escuro

permanente


e uma sombra

iluminando

tudo




JÁ NÃO HÁ PAREDES MIGRANDO NA TUA AUSÊNCIA


Quando arranquei teus olhos da parede, perdi as unhas.

Perdi o olfato

arranhando memórias

do teu cheiro.

Perdi a pele dos dedos

e senti os ossos raspando

as janelas do desacato.

Já havia perdido a razão

exata de todas as certezas.

Era dor, mas

também libertação.

O cerco do teu olhar

vigiava a minha sede.

Dedos sem carne

alguma. Coração

fugindo pela boca.

Coloquei teus olhos

sobre a mesa e decidi

guardá-los na distância.

Não furei as pálpebras

nem salguei a íris.

Deixei as lágrimas

secando na sombra

solene dos dias...

Mirei de frente aquele

imenso desapego.

Fiquei só.

Sem unhas, sem a pele

descarnada dos dedos.

Falanges esquecidas

no sangue apodrecido

dos dias.




CONDIÇÃO PERENE

nas cheias o rio comanda o espetáculo e as margens são apenas degraus para o leito mais fundo nas secas o rio é a margem




CÂNONE

aquele poeta e sua postura quase mística escreve enchendo linguística




QUARTA CAPA

o poeta é o que busca na palavra a dimensão do átomo o silêncio extremo por detrás de cada fato o poeta é o etéreo e o ácido na pele dos valores estáticos estéticos são seus baralhos o poeta é o vapor barato e o lance de dados o acaso e o atalho Macalé e Mallarmé no mesmo saco o poeta é um guapo




GRADAÇÕES


gosto de acarinhar

os sítios da quietude

cada canto da casa

onde não passei

as mãos

eterno esgar de uma

existência que nunca

me basta

no mesmo baixio

no mesmo riacho

onde os mesmos

pássaros são

sempre outros




COMBUSTÃO


O que se mostra nu

não é o corpo. Porque

o corpo nu está sempre

escondido debaixo

da pele.

O que se mostra nu

é o avesso.

O que não meço.

O tropeço. O que não

posso, mesmo quando

imerso.

O que se perdeu por dentro

não pode ser exposto. A

menos que a morte aponte

o oposto.

(Eis a vida e seu rosto.)


olhar de amêndoa no silêncio do fruto ruído de primavera





Lau Siqueira nasceu em Jaguarão, na fronteira com o Uruguai e mora na Paraíba. Publicou dez livros de poemas, entre eles Inventário do Pêssego, Livro Arbítrio, A memória é uma espécie de cravo ferrando a estranheza das coisas e Poesia Sem Pele. Todos eles pela Editora Casa Verde, de Porto Alegre. Participou de algumas antologias, a exemplo de: Na virada do século – poesia de invenção no Brasil, organizado Por Frederico Barbosa e Cláudio Daniel, publicado pela Editora Landy e Bicho de Siete Cabezas, organizado por Martín Palacio Gamboa, publicado pela editora De todos los mares, Argentina. Atualmente escreve sobe artes plásticas e literatura na revista Mallarmargens e semanalmente escreve crônicas para a revista Crônicas Cariocas.

Contato: lausiqueira@yahoo.com

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