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6 poemas de Ziul Serip




LUZ


flor-

-violência:


cimitarra assassina

luz obsessiva que o olhar


persegue e não alveja


imagem sóbria oculta lisa

aroma alvo da saliva


flor entre flores (luz do dia)


luz ejaculando luz

além da solidão


em gestos inaugurais

em vozes vivas


de (f)luxos – tácita absurda


luz em ângulo íngreme


luz-

-noite


canônica estrelada tóxica arrebatando

no vácuo – em decadência


luz sonora em orgia evidente

luz branca no branco


do talo da flor


luz profunda despertando

visões


outra luz: lugar

de luz


em noites profanas

de recusa


em vapor

em pálpebras


de sol.


 

ANATOMIA

[cenário de calafrios]


pós leitura do poema "flor occipital" de Claudio Daniel



cabeça-cadáver: ao fedor do cutelo (levado aos ossos)

escorrendo pelo couro cabeludo

até o parietal.


escalpe: crânio girando sobre a mão do arcanjo

medo corporal – à mesa de mármore –


do esmeril curvando-se, abrindo-lhe a caixa torácica.


de armadilhas em bandejas de ouro

e slogans – (esfarrapados)

o sangue derradeiro


flor-occipital (asfixia) – pressionado às rochas

o musgo se expande


flor se abre em estrangulamento

riacho subterrâneo escorre

no nevoeiro-abismo


entre rugas de cavernas.


à noite – desenvolvem-se orações

tempo de espessura dos ossos.


não há escolha: esperar por sinais de neon

por correntes de vapor (crescendo)


entre utensílios – cinzel e martelo

(com gancho) de titânio

estradas-negruras.


– não há outra flor em lugar algum –


flores fenecem – não ressuscitam

ressoam em noites como essa:


este é o mundo da luz opaca sobrevivente

este é o mundo de vasos

(sanguíneos)


na mais absoluta

de

com po

si ção


da flor mineral.


 

CAOS


(silêncio!) o que vemos? nódulos sulcos

labirintos resíduos.


em busca de palavras (flexíveis)

cálices brilhantes arcos

da íris


linhas concisas


abraços-

-delírios


hóspedes noturnos – minhas pálpebras

e todas as coisas afundam-se

no caos.


abrir a escapular em cortes precisos

escavar a carne ao redor atingindo as vértebras


eliminar a dor insalubre insistente insuportável!

retirar nós (sobreviventes) vírus vigilantes


– ferrugem

violenta –


das artérias das cortinas de fumaça

das lâminas exaustas.


chuva e sangue despencam

borboletas flutuam


no desleixo do meu sono.


após a chuva – a varanda

onde formigas trilham

trajetos de ontem


enche-se

de claridade.


 

AUTOFÁGICOS


o fedor do lixo – desolador e póstumo –

do homem: ele não sabe

da luz


suas unhas crescem (carrascas)

elevando-se sobre cadáveres.


à noite – folhas farfalham

coturnos rangem


sobre a ardósia dura


cassetetes estalam em ossos

(sussurrantes)


ouvidos escutam rumores

de escaravelhos


ciclopes esmagam

becos irreais.


pássaro-

-silêncio


sob o ar enegrecido

sobre o musgo

das sarjetas


enquanto o céu – carvão.


à noite –


ácaros-

-estrelas


ocultam-se no subcutâneo

dos hemisférios.


em algum lugar do inferno

do mundo áspero

e frio


autofágicos expiram

na geografia


das necropsias.


 

DEUSES-NEÔNIOS

para Andréia Carvalho Gavita


aqui está o ar sem peso (imenso)

sobre cedros rústicos

sólidos


entre aberrações canções de ninar.


o verão – enlevado metódico –

cores carbonizadas

como


céu-

-mosaico.


nesta terceira década do século XXI

nada separa favelas das palavras

dos poetas (rimas da alma)


no escuro – eu só – rio: recolho poemas

vejo (n)o limiar do imaginário

em queda elegante


vergando o mármore – pêndulo no vazio

orquídeas nas mãos – fedor monóxido –

(de carbono)


fui capturado pela dúvida (ardilosa)

das funduras do absinto

qual libélula pálida


(em tormenta)


cruzando veias camisas-de-força – insinuando flagelos

turbulentos de invenção – fingindo

o triunfo da terra farta.


eis a vida nauseabunda (pobre)

de um tempo fenecendo


sob o veludo púrpuro

de meus lábios.


algum dia o mármore ocultará

seus escombros


deuses-

-neônios


que (em rebelião) devorarão

a carne das górgones.


 

SALAMANDRA

obra-prima de Victor Hugo Porto


quadro: mulher obesa alisa os cabelos das axilas

abre lábios e pernas salvando sua estima

– alma algemada – à angústia.


desperta lança-chamas em combustão – salamandra!


sonho-esboço: silhueta ocultando-se em sons

ouvidos através da neblina.

moldura mutável: fluir roxo-rútilo

pelo solo-corredor de pesadelos


sala-galeria.


carmesim dissecando ranhuras na pele

unhas lacerando ao redor

do cume dos seios


cabeça-ouro – no ocaso – seu ponto de extravio:


fechando a superfície (emoldurada) vê-se utensílios

diversos: cílios enormes pálpebras escuras

(espessas) boca ornamentada


de afinco exílio.


disfarçando-se no horror – aranha rasteja –

em seu decote (solidária)

em tremor ardente.


essência das formas resume-se em: o amor (e)

levar o martírio do mar – onde

tudo se desfaz em


cores-

-corais


(cadáveres).



 

Ziul Serip é natural de Porto Alegre. Reside em Tramandaí, RS. Vencedor do 1º. Prêmio Mauá de Literatura – Poesia/Porto Alegre – 1988, com “quadrantal”, seu primeiro livro, publicado pela Editora Cidade de Porto Alegre. Em 2012, 2013 e 2014 participou das Antologias Poesia do Brasil dos XX, XXI e XXII – Congresso Brasileiro de Poesia, realizado em Bento Gonçal-ves/RS. Também participou em 2015, da Antologia “29 de abril – O verso da violência”, pela Patuá. Possui poemas publicados em diversos sites, blogs e revistas literárias, como Zunái, Caqui, Letras Vermelhas, Kazuá, Germina, Mallarmargens e outras. Publicou em 2017, pela Editora Córrego, Selo Leonella, a plaquete “um fio de sol medita”. Em 2021, publicou pela Editora Lobo Azul, Nakba – Flor da Ressurreição [êxodo e qitã gazzah], poemas dedicados a Palestina. Em 2020, participou da coletânea 80 Balas, 80 Poemas (ver-são digital) de 80 autores, publicada pela Zunái. Em 2022 lançou, pela Editora Lobo Azul, os livros de poemas “allegoria” e “cidade exílio”.

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