LUZ
flor-
-violência:
cimitarra assassina
luz obsessiva que o olhar
persegue e não alveja
imagem sóbria oculta lisa
aroma alvo da saliva
flor entre flores (luz do dia)
luz ejaculando luz
além da solidão
em gestos inaugurais
em vozes vivas
de (f)luxos – tácita absurda
luz em ângulo íngreme
luz-
-noite
canônica estrelada tóxica arrebatando
no vácuo – em decadência
luz sonora em orgia evidente
luz branca no branco
do talo da flor
luz profunda despertando
visões
outra luz: lugar
de luz
em noites profanas
de recusa
em vapor
em pálpebras
de sol.
ANATOMIA
[cenário de calafrios]
pós leitura do poema "flor occipital" de Claudio Daniel
cabeça-cadáver: ao fedor do cutelo (levado aos ossos)
escorrendo pelo couro cabeludo
até o parietal.
escalpe: crânio girando sobre a mão do arcanjo
medo corporal – à mesa de mármore –
do esmeril curvando-se, abrindo-lhe a caixa torácica.
de armadilhas em bandejas de ouro
e slogans – (esfarrapados)
o sangue derradeiro
flor-occipital (asfixia) – pressionado às rochas
o musgo se expande
flor se abre em estrangulamento
riacho subterrâneo escorre
no nevoeiro-abismo
entre rugas de cavernas.
à noite – desenvolvem-se orações
tempo de espessura dos ossos.
não há escolha: esperar por sinais de neon
por correntes de vapor (crescendo)
entre utensílios – cinzel e martelo
(com gancho) de titânio
estradas-negruras.
– não há outra flor em lugar algum –
flores fenecem – não ressuscitam
ressoam em noites como essa:
este é o mundo da luz opaca sobrevivente
este é o mundo de vasos
(sanguíneos)
na mais absoluta
de
com po
si ção
da flor mineral.
CAOS
(silêncio!) o que vemos? nódulos sulcos
labirintos resíduos.
em busca de palavras (flexíveis)
cálices brilhantes arcos
da íris
linhas concisas
abraços-
-delírios
hóspedes noturnos – minhas pálpebras
e todas as coisas afundam-se
no caos.
abrir a escapular em cortes precisos
escavar a carne ao redor atingindo as vértebras
eliminar a dor insalubre insistente insuportável!
retirar nós (sobreviventes) vírus vigilantes
– ferrugem
violenta –
das artérias das cortinas de fumaça
das lâminas exaustas.
chuva e sangue despencam
borboletas flutuam
no desleixo do meu sono.
após a chuva – a varanda
onde formigas trilham
trajetos de ontem
enche-se
de claridade.
AUTOFÁGICOS
o fedor do lixo – desolador e póstumo –
do homem: ele não sabe
da luz
suas unhas crescem (carrascas)
elevando-se sobre cadáveres.
à noite – folhas farfalham
coturnos rangem
sobre a ardósia dura
cassetetes estalam em ossos
(sussurrantes)
ouvidos escutam rumores
de escaravelhos
ciclopes esmagam
becos irreais.
pássaro-
-silêncio
sob o ar enegrecido
sobre o musgo
das sarjetas
enquanto o céu – carvão.
à noite –
ácaros-
-estrelas
ocultam-se no subcutâneo
dos hemisférios.
em algum lugar do inferno
do mundo áspero
e frio
autofágicos expiram
na geografia
das necropsias.
DEUSES-NEÔNIOS
para Andréia Carvalho Gavita
aqui está o ar sem peso (imenso)
sobre cedros rústicos
sólidos
entre aberrações canções de ninar.
o verão – enlevado metódico –
cores carbonizadas
como
céu-
-mosaico.
nesta terceira década do século XXI
nada separa favelas das palavras
dos poetas (rimas da alma)
no escuro – eu só – rio: recolho poemas
vejo (n)o limiar do imaginário
em queda elegante
vergando o mármore – pêndulo no vazio
orquídeas nas mãos – fedor monóxido –
(de carbono)
fui capturado pela dúvida (ardilosa)
das funduras do absinto
qual libélula pálida
(em tormenta)
cruzando veias camisas-de-força – insinuando flagelos
turbulentos de invenção – fingindo
o triunfo da terra farta.
eis a vida nauseabunda (pobre)
de um tempo fenecendo
sob o veludo púrpuro
de meus lábios.
algum dia o mármore ocultará
seus escombros
deuses-
-neônios
que (em rebelião) devorarão
a carne das górgones.
SALAMANDRA
obra-prima de Victor Hugo Porto
quadro: mulher obesa alisa os cabelos das axilas
abre lábios e pernas salvando sua estima
– alma algemada – à angústia.
desperta lança-chamas em combustão – salamandra!
sonho-esboço: silhueta ocultando-se em sons
ouvidos através da neblina.
moldura mutável: fluir roxo-rútilo
pelo solo-corredor de pesadelos
sala-galeria.
carmesim dissecando ranhuras na pele
unhas lacerando ao redor
do cume dos seios
cabeça-ouro – no ocaso – seu ponto de extravio:
fechando a superfície (emoldurada) vê-se utensílios
diversos: cílios enormes pálpebras escuras
(espessas) boca ornamentada
de afinco exílio.
disfarçando-se no horror – aranha rasteja –
em seu decote (solidária)
em tremor ardente.
essência das formas resume-se em: o amor (e)
levar o martírio do mar – onde
tudo se desfaz em
cores-
-corais
(cadáveres).
Ziul Serip é natural de Porto Alegre. Reside em Tramandaí, RS. Vencedor do 1º. Prêmio Mauá de Literatura – Poesia/Porto Alegre – 1988, com “quadrantal”, seu primeiro livro, publicado pela Editora Cidade de Porto Alegre. Em 2012, 2013 e 2014 participou das Antologias Poesia do Brasil dos XX, XXI e XXII – Congresso Brasileiro de Poesia, realizado em Bento Gonçal-ves/RS. Também participou em 2015, da Antologia “29 de abril – O verso da violência”, pela Patuá. Possui poemas publicados em diversos sites, blogs e revistas literárias, como Zunái, Caqui, Letras Vermelhas, Kazuá, Germina, Mallarmargens e outras. Publicou em 2017, pela Editora Córrego, Selo Leonella, a plaquete “um fio de sol medita”. Em 2021, publicou pela Editora Lobo Azul, Nakba – Flor da Ressurreição [êxodo e qitã gazzah], poemas dedicados a Palestina. Em 2020, participou da coletânea 80 Balas, 80 Poemas (ver-são digital) de 80 autores, publicada pela Zunái. Em 2022 lançou, pela Editora Lobo Azul, os livros de poemas “allegoria” e “cidade exílio”.
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