Posta à Beira da Lagoa:
posta
à beira
da lagoa
a rã não
suspeita
do arremesso
de si
***
nem da escrita
que dele escoa
nem que
este gesto
haveria de saltar
sem cessar
séculos e páginas
***
a rã sabe bem
e nada
já Bashô
basta-se em saber
do outro
o que dele
escapa
INSABIDO
o segredo
secreta
a espera
do mesmo
***
o enigma
ignora
a própria
cifra
***
o mistério
desfaz
a paz
do etéreo
A UM PÉ DO PENHASCO
A pedra amparava o pé ante o pulo
rio inquieto corria rio abaixo
impulsionado por um zunido escuro
tudo conduzia o corpo ao salto
todavia naquele imenso vão
havia lugar para o inusitado:
a humana fenda da hesitação!
No medo súbito da desmedida altura
a sola do pé sentiu a pedra dura
aquela sólida impressão
pregou o homem ao chão
RAVEN, EVEN MORE
jamais
o plano de pouso
do corvo na folha
abolirá o torto
acaso da escolha:
por mais fingida a dor infinda
deveras se demora
mais, ainda
DANTE ENTRE ESTRELAS
Vai Dante, leva ao espaço distante
Na via láctea, os versos teus!
A bordo da nave, o registro da tua obra
Cumprirá uma sina sutil:
Ser um bordado entre estrelas
No ar rarefeito
Fio feito de artifício raro
Este que tu, Dante (e antes de ti Arnault), teceste!
Tomando à mão precisa
Essa esquiva língua mãe
Vai Dante, e diz à amada donna
Que agora pairas
Transmutado em liga de ouro e titânio
Há anos luz de tudo que viveste
Tu, tão versado que eras nas sete artes liberais
Jamais imaginara tais confins
Lá, no constelar caminho sem meio
Num vácuo de selva escura
Será legado além um outro Alighieri!
A divina comédia passeando nos astros…
O rastro vivo de Beatriz
Tal qual um quasar, quase não brilha
A donna encarnada em matéria ínfima
Sem círculos ou inferno, ou seu inverso
Vai Dante, e em viagem forjas
A causa de um desejo siderado
A mulher enfim despida em seus infinitos
SOBRE O ZEN
O sabre nada sabe de seu corte
A sobra nada sabe da sua sorte
A sombra sabe do nada quando é informe
Nilton Cerqueira vive em Salvador, é médico, psicanalista e poeta.
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