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6 poemas de Angélica Torres Lima

Atualizado: 9 de jan. de 2022




EM GUARDA

Impressão de ter vivido este mesmo dia de vento em suspenso O suspense pousado em folhas brancas Ausente negado: o papel vivido Cores espantadas na desolação dos acontecimentos. Há um silêncio violáceo entre casas e bananeiras. Bem-te-vis estão calados sem ver gente nos passos da tarde. Deus nosso! O cemitério é agora o coração da cidade. Já vi esse filme nalgum país de idêntico passado. Imóvel a tela do firmamento em seu cinema dizendo: a noite vem chagando os chãos com seus chinelos de chumbo e não se ouvem as estrelas gemendo ao fundo. Logo, Aurora cobre

Alvorada de sangue. A hora nos aguarda mas

também o que tomou de assalto

um Palácio por morada.




ECOS DE UM RÉQUIEM

Elas não desciam, as lágrimas; ficavam na moldura os rasos d'água, riachinhos pedindo socorro a rio. Chorar um oceano se preciso livre como prece de ave. Esse vácuo que entorna a retorta é desamparo? É estado de sítio em corpo alheio? A dor do mundo nos dardos lançados A onda de mármore em maré cheia e todos os beijos censurados/ Lábios do silêncio translúcido, o choro se esconde no campo gravitacional do riso. Ouve-se o coro dos mortos/ eu ouço/ num mantra no escuro.




IDA

Chamava de Deus a Meca a Meta a América que nem sempre convêm Deixou sobre a mesa três pesos : coração cérebro e pulmão a meio A mais-valia do verbo não valia o mundo que a miragem prometera Oásis ases asas são palavras A vida é o livro-corpo inteiro.




HÁ ALGO (NO) RITMO


A evidência anda a serviço

da indigência na inteligência.

O barco navegante segue

oculto sobre as águas :

nem o céu parece vê-lo

adernante ultimamente

tantos são os crassos

sabotando mentes.


II


Falasse eu em russo

inglês alemão chinês

como soaria a piada

a ira o hino o grito

Kayowá Guarany

Kamayurá Tupy?

Quem se protege

por ironia o que projeta

à súmula da cidadania?




DEIDADE


O sol esse suposto

deus de luz

que cega

não se espia:

forno a plena

combustão

que assola.

Mas sair da treva

que trava a trova

prova: poder olhar

do sol à frente

e não cegar-se

ao ver a reta luz

em todo plano e forma.




BEATITUDE


Muito além de Allen

estrelas ardem, gélidas,

mas ele não se cala.

Denuncia prega chora

as malas tantas de Pandora

o continente desolado

na Terra pelada

sem amores


Já alado no além-cosmo

Allen rega suas folhas

legadas à América decaída.

Colho-as e replanto

em meu jardim interno

de inverno junto a mantras

dos monges de uma cidade

alienígena.



Angélica Torres Lima, jornalista e editora, publicou oito livros, seis de poemas, entre eles, O Nome Nômade (semifinalista do Prêmio Oceanos 2016); O Poema Quer Ser Útil; Paleolírica; e Sindicato de Estudantes (Prêmio Mário Quintana de Poesia, do Sindicato de Escritores do DF 1987). Tem no prelo Diminutos, haicais à brasileira. Sua poesia foi analisada no mestrado em Literaturas da UnB, em 2011, sob o título A voz do feminino na poesia contemporânea de Adélia Prado, Adriana Calcanhoto e Angélica Torres (disponível na web). Nasceu em Goiás e vive em Brasília, desde a adolescência.

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