Arte de Cyane Pacheco
INTERESTATAL
É só um homem,
eu repito
Nada mais que um homem
vivendo às margens do mundo
E, de margem, veja,
já basta essa
ARRANCO CENTRÍFUGO
A língua como denúncia
A língua que nos entrega
aos outros bichos ao júri
O desejo inaugurado
no estômago maxilar no topo da cabeça
nas costas que mal notam
vergar na cadeira
um pedido de socorro
sem contar as mãos
você viu, as mãos
O desejo como remissão dos pecados
Muito se fala do silêncio mas
o que dizer de tudo o que versei
para não declarar idônea
a vontade da língua?
O DESEJO
O sentido no espaço entre dois canivetes
A ORIGEM
Até a aridez dos pulmões cria discursos
no decurso de uma vida
Ao oeste, uma voz lia sem ler
o retorno talvez de outra peste
Dizia que a fronteira está orientada
para fora
e por isso mesmo provoca temor
no governo central
quando o homem se inclinou
Duas presas capturadas em silêncio
O CONFLITO
Ele girou o animal de um único olho
Seguimos ao centro mais uma vez
O corpo medeia o sentido sem lugar
A nuca do transeunte sua por demão
Nayara Moreira é professora e tradutora. Pesquisa literatura contemporânea na área de semiótica e linguística geral do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
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