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5 poemas de Francis Kurkievicz



O POEMA NÃO FAZ PACTOS


Para Francis Combes


É certo que o verso

Não tem aço para desviar

Da bala do fuzil;

É certo que o poema

Não tem poder

De neutralizar exércitos;

É certo que os poemários

Não possuem imunologia

Contra armas químicas;

É certo que o punho do poeta

Não consegue sustentar

A bandeira da paz

Por tempo indefinido;

Sim, não há dúvida,

Que a Poesia derrotada seria

Nos campos de batalha

- como a verdade é sempre a primeira vítima –

No entanto, capturada ou aprisionada,

Nunca seria,

A Poesia jamais capitularia

Diante de qualquer inimigo;


Mas o que inspira a resistência

Contra as injustiças da guerra?

O que alça o ânimo

Da dignidade fatigada?

O que faz destemido

O civil diante do servil covarde?

Que mistério há no rizoma da consciência humana

Que imputa a intuição

Uma transvaloração da existência?


Todas as guerras produzem seus hinos,

Todas as guerras tecem sua lírica nostalgia,

Todas as guerras afirmam sua toada de esperança,

Eis o paradoxo incontornável;


Nem todos os poemas evocam a paz,

Nem todos os poemas se prestam a orações,

Alguns poemas possuem a virtude do combate,

A fúria da reação,

A lâmina da justiça;

Nenhum poema se submete

Ao silêncio do medo;

Nós, poetas, bem o sabemos.




O POETA NA ZONA DE FOGO


Para Wilson Coelho


Eu sou contra a guerra,

contra todo tipo de conflito,

contra às invasões, ocupações, genocídios;

Eu sou contra o massacre da verdade,

contra a afronta da beleza,

contra a tortura da gentileza;

Contra sou a qualquer extermínio,

Sou contra a quem é favor do fratricídio;

Mas quem nesse vasto mundo ansioso

deseja a opinião de um poeta desconhecido?

Quem tempo tem para meditar o sentido anelado

nas entrelinhas dos poemas banidos?

Quem se atreve a cambiar as estruturas

que abrigam os falsos pensamentos?

Estamos em guerra,

eu estou em guerra,

tu estás em guerra,

a guerra é de todos;

O inimigo sonha em nossa vigília

o movimento abrupto do imaterial,

O inimigo sonha a reação na egrégora magnetizada

com a mesma paciência dos insones,

como Virgílio que não dormia,

mas dourava a atenção purgando o sono do senso

nos abismos do limbo.




NO CÉU DE TODAS AS CIDADES


Para Jeanne Marie


No céu de Kiev

Uma onda de fuligem ácida

Intoxica o horizonte,

Pombas brancas arqueadas

Pelo pó dos incêndios

Buscam em vão o repouso dos capitéis,

A proteção dos campanários,

O silêncio dos minaretes;


No céu de Belgrado, de Cabul,

No céu de Aleppo, de Hodeida,

No céu de Trang Bang, de Duduble,

Bombardeios incessantes sacrificaram as pombas

Em favor de Mamon,

O deus que Tio Sam carrega

Orgulhoso

no próprio intestino;


Não há ar cristalino no céu de nenhuma nação,

Não há céu que acolha o voo níveo das pombas,

O espírito belicoso dos tempos domina todos os espaços

Ofuscando a legalidade intrínseca e misteriosa do Espírito Santo;


A paz é mero efeito retórico

No discurso vazio dos parlamentares,

A guerra é uma febre egóica

Destruindo um corpo já comatoso.


No entanto, no fim de tudo,

Um início inédito desenha novas esperanças

No céu de outros ciclos,

Mas a que custo?




O BAIXO VENTRE DA NATUREZA


Para Santos López


O sono drenado pelo sonho de consumo,

O músculo teso pela pressão da ansiedade,

O boleto atrasado disputando a refeição do dia,

O esforço hercúleo do cidadão anônimo

No cotidiano sem heroísmos;

A vida íntima sacrificada

Na rotina da sobrevivência,

O destino refém dos acidentes de percurso,

O ânimo extraído com o fórceps da civilidade;

A humanidade segue

O ritmo cego e suspeito

Da natureza do inconsciente.




OS TRIGAIS DE ODESSA


Para Eldar Akhadov


Colho nas mãos torrões de terra ainda fria,

Olho o horizonte imaginando uma colheita abundante;

Mas uma explosão ao longe me desperta para o real

E me pergunto esmagando os torrões entre os dedos:

Teremos na próxima estação

Uma safra de trigo

Nas terras arrasadas de Odessa?

Olho para o céu azul

Claro como a mente de um Buda,

Em busca de uma falsa esperança;

Percebo um drone vindo em minha direção,

Certamente, ele traz sementes

Que nunca germinaram neste solo

Encharcado de sangue,

Penso eu com o ânimo de um moribundo;

O drone desvia para sudeste,

Foi despejar o ódio yankee mais adiante;

Procuro na genética dos meus ancestrais

Quando foi que empreendemos tanto ódio a um irmão,

Como foi que nos deixamos conduzir por um comediante?

Mas como posso escrutinar esse abismo ético

Sendo apenas um camponês

Sonhando com o seu trigal?

Guardo os torrões de terra seca e fria no bolso,

Um instinto herdado do meu avô,

Ele que nunca sabia se voltaria a ver sua terra amada,

Temia ser desenraizado mais uma e outra vez.




Francis Kurkievicz é poeta, publicou seu primeiro livro em 2015 Meninices, contos para crianças, em 2020 publicou seu segundo livro, B869.1 k96, poemas pela Editora Patuá. Criou em 2019 a Ayatori Editora através da qual republicou Meninices no mesmo ano e, em 2022, publicou o livro de poemas para crianças Meu Cântico À Natureza, de Vitória Sainohira. Tem publicado seus poemas em revistas digitais como Mallarmagens, Arara, Acrobata, Hiedra, Escritas, Aboio, Torquato, etc., e traduções nas revistas Escamandro, Zunái, Life & Legends, Letra & Fel.

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