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5 poemas de Cristina de Souza



SOTERRAMENTO


Soterro a voz.


Aterro meu corpo

A um espírito mudo.


E em tudo que escuto

Só há silencio


Marcado na ausência,

Na vaga.


No luto profundo

Pelo morto não morto,


Pela onda não quebrada,

Por esta mare vazante


Onde me afogo

Na terra,

Na areia

No nada




IDENTIDADE


Escondo-me

Por horas a fio

Enquanto me busco no espelho.

Finjo serem meus olhos,

Os olhos que me fitam

Sem me reconhecerem.


Hiberno

Dias inteiros

Em pelos que não são meus,

Em ossos que se fraturam aos poucos

Sem que eu os perceba.


Durmo

Numa caverna escura

Chamada quarto,

Aonde jaz uma cama branca,

Onde morro todos os dias

E moro todas as noites.


Risco

meu nome na identidade

perco

a foto na carteira

Apago

Minha face com a manga puída de um casaco velho


Esqueço-me

Numa gaveta.




GIRASSÓIS AO MEIO-DIA


Silenciei.


Escavei todas as bordas,

Todas as margens.


Afoguei-me nas águas profundas

Do não querer.


Ausentei-me dos dias.

Acordei nas noites de solidão sem fim


E orei...


Percebi o não ser,

Sendo

E não mais querendo,

Saí de mansinho

Pela porta de trás.


Bates a porta da frente,

Não abro.

Não estou lá dentro.


Fui-me embora da esperança

Que morreu aos poucos, asfixiada,

Pelo pouco espaço que me deste.


Fugi-me

Debandei-me

Perdi-me

Pelo mundo afora,


Sem amores,

Sem demoras.


Não parei para colher sonhos.


Queimei a terra

Com o fogo da indiferença,


E depois,

Plantei girassóis

Que se abriram ao meio-dia.




FARPA

Descubro-me num verso aberto, na farpa do mundo. Traço meu rastro no deserto mudo. Cactos secos em solo rude e céu vermelho. Eu piso em pedras e cascalho, madeira ressecada, casca de árvores mortas. Cabelos misturados à areia, olhos que suam, sal rolando de poros e escleras. E esta espera pelo amor que não vem, nunca vem. Dias contados, rosto marcado por rugas que não tenho. Noite cadente, vida vertente. A verdade é um soslaio, enquanto a farpa enterra a esperança na pele quente.



CANTIGA


Sou feita de ecos

E ocos.

Sou filha da noite

Escura e sem luar.

Sou a santa pecadora

De palavras extintas

Coleciono preces que invento

Sem saber orar.


Sou cheia de ocos

E desfeita em ecos,

Canto uma canção de ninar.

Fogo brando é chama e vela,

Minha vida paralela,

Projetada numa tela,

Eu que já nem sei chorar.






Cristina de Souza é médica e poeta, atualmente morando em Fenix, Arizona, onde escreve e pratica medicina. Ela já teve vários poemas publicados em revistas literárias nos Estados Unidos e Europa (Inglaterra e Alemanha) e outros publicados pela revista Mallamargens, no Brasil. Em 2016, ela obteve um mestrado em literatura e composição literária pelo Vermont College of Fine Arts e em 2019 teve um livro de poemas em inglês publicados pela editora Main Street Rag, intitulado “The Grammar of Senses” (A Gramática dos Sentidos). Seu e-mail para comunicação é: colo2309@gmail.com

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