SOTERRAMENTO
Soterro a voz.
Aterro meu corpo
A um espírito mudo.
E em tudo que escuto
Só há silencio
Marcado na ausência,
Na vaga.
No luto profundo
Pelo morto não morto,
Pela onda não quebrada,
Por esta mare vazante
Onde me afogo
Na terra,
Na areia
No nada
IDENTIDADE
Escondo-me
Por horas a fio
Enquanto me busco no espelho.
Finjo serem meus olhos,
Os olhos que me fitam
Sem me reconhecerem.
Hiberno
Dias inteiros
Em pelos que não são meus,
Em ossos que se fraturam aos poucos
Sem que eu os perceba.
Durmo
Numa caverna escura
Chamada quarto,
Aonde jaz uma cama branca,
Onde morro todos os dias
E moro todas as noites.
Risco
meu nome na identidade
perco
a foto na carteira
Apago
Minha face com a manga puída de um casaco velho
Esqueço-me
Numa gaveta.
GIRASSÓIS AO MEIO-DIA
Silenciei.
Escavei todas as bordas,
Todas as margens.
Afoguei-me nas águas profundas
Do não querer.
Ausentei-me dos dias.
Acordei nas noites de solidão sem fim
E orei...
Percebi o não ser,
Sendo
E não mais querendo,
Saí de mansinho
Pela porta de trás.
Bates a porta da frente,
Não abro.
Não estou lá dentro.
Fui-me embora da esperança
Que morreu aos poucos, asfixiada,
Pelo pouco espaço que me deste.
Fugi-me
Debandei-me
Perdi-me
Pelo mundo afora,
Sem amores,
Sem demoras.
Não parei para colher sonhos.
Queimei a terra
Com o fogo da indiferença,
E depois,
Plantei girassóis
Que se abriram ao meio-dia.
FARPA
Descubro-me num
verso aberto, na
farpa do mundo.
Traço meu rastro
no deserto mudo.
Cactos secos em
solo rude e
céu vermelho.
Eu piso em pedras e
cascalho, madeira ressecada,
casca de árvores mortas.
Cabelos misturados à areia,
olhos que suam, sal rolando
de poros e escleras.
E esta espera pelo amor
que não vem,
nunca vem.
Dias contados, rosto
marcado por rugas
que não tenho.
Noite cadente,
vida vertente.
A verdade é um soslaio,
enquanto a farpa enterra
a esperança na pele quente.
CANTIGA
Sou feita de ecos
E ocos.
Sou filha da noite
Escura e sem luar.
Sou a santa pecadora
De palavras extintas
Coleciono preces que invento
Sem saber orar.
Sou cheia de ocos
E desfeita em ecos,
Canto uma canção de ninar.
Fogo brando é chama e vela,
Minha vida paralela,
Projetada numa tela,
Eu que já nem sei chorar.
Cristina de Souza é médica e poeta, atualmente morando em Fenix, Arizona, onde escreve e pratica medicina. Ela já teve vários poemas publicados em revistas literárias nos Estados Unidos e Europa (Inglaterra e Alemanha) e outros publicados pela revista Mallamargens, no Brasil. Em 2016, ela obteve um mestrado em literatura e composição literária pelo Vermont College of Fine Arts e em 2019 teve um livro de poemas em inglês publicados pela editora Main Street Rag, intitulado “The Grammar of Senses” (A Gramática dos Sentidos). Seu e-mail para comunicação é: colo2309@gmail.com
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