Guilherme Delgado
ENCONTRO
Como uma febre frequentando um corpo
à revelia, o ser amado encontra,
em cada parte do seu próprio corpo,
a outra parte refletida; encontra
o seu suor encarnado num corpo
a corpo que, a cada fôlego, adentra
e ilumina o outro como só um corpo
celeste o faria, e eis que, ventre contra
ventre, o mundo se refaz nesses corpos,
tamanha a força que ali se concentra.
RESIGNAÇÃO DIANTE DO IRREPARÁVEL (ISMAEL NERY)
Três nuvens negras prestes a encobrir
uma réstia de sol.
Equilibrando-se sobre uma perna,
sem braços, mutilado,
sem dúvida parece deprimido,
mas seu rosto sem rosto
não o diz – e que falta faz um rosto
que se derrame em lágrimas!
O chão da arena indica que houve luta:
ameaçando lançar-se
no azul de um oceano melancólico,
sua sombra medita.
NEARER, MY GOD, TO THEE
Não digo que seja
uma lição fácil.
Reger o silêncio
como quem consente
o seu próprio de
-saparecimento.
Como fez Villon
ao deixar Paris.
Como fez Rimbaud
indo para a África.
Como Raduan.
Como Belchior.
Como quem confessa,
já ao fim da linha,
não haver remédio
que adie essa hora.
Momento em que alguma
lucidez acaba
por nos convencer
de que tudo não
foi tão mau assim,
e admitimos, ora,
ter chegado a vez
de encarnar a banda
do próprio naufrágio.
Guilherme Delgado é poeta e tradutor. Bacharel em Tradução e mestre em Letras pela Universidade Federal da Paraíba, é doutorando em Letras pela Universidade Federal do Paraná. Participou das plaquetes Tanto mar sem céu (Lumme Editor, 2017), A noite dentro da ostra (Lumme Editor, 2019), além da antologia 80 balas, 80 poemas (Zunái, 2020), organizadas por Claudio Daniel. Coeditou a revista literária Malembe e traduziu poemas do jovem Ezra Pound. É autor de : (Patuá, 2017).
Comments