VAGAREZA
fácil de ferir
o corpo perece a cada dia
em vagareza e curvatura
habitado e sem rumo
atravessa
desfigurando a pele aos gritos
lembra de tudo esquecendo
escorregando na frente de um espelho raso
saturado de misérias
busca um trem atrasado
que passa e nem para
pois tudo sobra
e nada se adivinha
numa atitude falsa de mudança
BECOS
enquanto tudo ao redor venta
me encontro vidro fácil
sulco frágil
em pedra esfarelada
pela própria vida
não sei como faço!
quero conspirar
no secreto fosso de um veneno
ingerindo a conta-gotas
o que entendo e revoa
sem rota
embaraço os fios de uma teia
nas mortas horas do dia
assombrada espero
o tempo soterrado nas dobras da pele
nos ecos abafados
em becos sem saída
lá onde os trovões se multiplicam
raios abatidos
ainda relampejam
O QUE FICA
mergulho nessa sombra
de indiferenças
e nada
fracasso sempre
não sou de aço
repasso para toda cor
a ferrugem da memória
um tédio se acumula
na agitação dos dias
num sangue escorrendo
por degraus e chaves
lá onde bate o vento
lembro a melhor canção
e viro contra as paredes
os porta-retratos
o tempo sempre faz o resto
CISMA
há uma ilha dentro de mim
uma ilha distante do continente
de praias sem fim
com serpentes e gengivas
diabos e santidades
dentro de mim
uma ilha de eclipses inominados
e fraturas expostas
ecos e reverberações
exprimem a ventania
com flor e agonia
na incerteza do entendimento
a perfeição do ovo bate nos corais
como um peso de papel
as palavras vão aos cardumes
buscar na solitária escolha
a compulsiva imaginação
LÁ FORA
me inventar?
isso aprendi desde pequena
uma voz surda ensinou
misturar o incompatível
até hoje permaneço
na inconstância do tempo
à beira de um lago
à margem sempre esquerda de um rio
permaneço assim
lavando as mãos nas ultrapassagens
desejando a revolução do interno
querendo um apetite variável
de afetos
no melhor e no pior do corpo
mergulho em intensidade
prazer excessivo que transborda
se rearranja
se empurra pelo dentro
a conduzir o que prescinde de um outro
– isso aprendi agora
como um azar
TUDO E NADA
escrevo imperfeita
em contínua vasculha
meus olhos se intrigam
com qualquer sugestão
descubro no verso
fomes ambições verdades
tudo sem explicação
divido mal destruo somo
fabrico o alimento da dúvida
no escuro de um nada
transformando em poema
tudo
ETERNOS ENTORNOS
com o canto do olho
um barulho me invade
conto até dez
o imprevisto
é a própria vida
a ventania desse teu amor
também
um quarto de lua aparece
– é o fim do tempo
nem a morte estanca o dissoluto
tudo nada no inesperado
o amor me morde a pele
intrusivo
estou seca
atrapalhada e sem pressa
CREMOSO
desejo no escuro
numa sede madura
sem jogos nem enredo
e sério!
se pulsa e retumba
alaga e dilata
derrete bem no fundo doce
doce doce doce
como chocolate
PATAMAR
em gosto e gozo um texto
vago devaneio
na conveniência da escolha
o que dispersa em certa calma
sentidos desaparecem
afetos chegam
além de agulhas escudos
na máscara cotidiana
dentro
qualquer inverno é primavera
escondido em fundos falsos
CONTO?
não conto porque não quero contar
porque quando conto
faço um conto destrambelhado
que não vale a pena ser contado
até gosto de contar
mas não conto pra qualquer um
pra quem gosta de detalhes conto mais
então conto mesmo quase tudo
contar tudo desfaz o que conto
aí economizo o que desfaz do conto
seu mistério
mas explico tanto quanto posso
o que conto
que da veracidade duvido
quando conto
e repito em vários tons o que conto
que faço de um conto m i l
e eu só conto isso pra vocês
porque tem gente que insiste
quer que eu conte e conte e reconte
aquilo que eu d e f i n i t i v a m e n t e
não conto
LIANA TIMM | Artista multimídia, arquiteta, poeta e designer. Vive em Porto Alegre com atelier em permanente ebulição. Sua produção mescla manualidade e tecnologia, conceito e materialidade, história e contemporaneidade. Transita pelas artes visuais, pela literatura, pelas artes cênicas e pela música. Professora da faculdade de Arquitetura e Urbanismo da universidade federal do rio grande do Sul (1976/96). Especialista em Arquitetura habitacional e Mestre em Educação pela UFRGS. Realizou 74 exposições individuais, sendo as mais importantes: Pinacoteca do Estado de São Paulo/SP/Brasil, Memorial da América Latina /SP/SP/Brasil, Centro Cultural Correios e Telégrafos/Rio de Janeiro/RJ/ Brasil, Museu Brasileiro da Escultura/São Paulo/SP/Brasil, Fundação Cultural do Distrito Federal/Brasília/DF, Museu da Gravura cidade de Curitiba/PR/Brasil, Museu de Arte do Rio Grande do Sul/Porto Alegre/RS/Brasil. 35 shows musicais na cidade de Porto Alegre e interior do Rio Grande do Sul/Brasil, em Montevideo/Uruguai, em Miami/EUA e em Toulx Sainte Croix/França. Publicou 64 livros, destes 18 são individuais de poesia sendo que o último reúne sua produção poética de 35 anos. Recebeu 17 prêmios nas diversas áreas de atuação. Desenvolve suas produções culturais e projetos editorias através da TERRITÓRIO DAS ARTES.
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