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1 poema de Cleber Baleeiro




O FAZER DO XAMÃ


I


caminhar caminhos tortos

que tomam forma de pés


pisar o chão e além dele

como peixe no riacho


sair do chão sem saltar

estar no chão sem ter ido


o chão pisado de pés

e o chão cujos pés não pisam



II


ser cada bicho na mata

olhar com olhos de bicho


ser o outro de si mesmo

ver a si mesmo no outro


afirmar-se na visão

que engole a vida do homem


afirmar-se como homem

diante do que não o sabe


ter corpo como o de gente

ter olhos como os de bicho



III


morrer a morte de todos

no corpo que ainda vive


morrer no corpo de todos

para espantar o que mata


morrer a morte que é sua

para ter um novo corpo


morrer decididamente

para afastar as doenças


morrer a morte dos vivos

nascer para ver os mortos



IV


fazer-se ponte entre margens

colocar-se sobre o rio


fazer-se ponte de ida

ser ponte para voltar


fazer-se ponte de abismos

sem abismar-se consigo


fazer-se ponte entre mundos

não ser de um nem de outro



 

Cleber Baleeiro é baiano de nascimento e vive em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista; é doutor em Ciências da Religião, professor na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e pesquisa temas ligados à filosofia da religião, à hermenêutica, às teorias do mito e às relações entre religião, literatura e cultura pop. Publicou quatro livros de poemas: A constituição do mundo (Parresia), Tempo que retorna (Parresia), Antropologia dos afetos (Caravana) e Vestígios de eternidade (Isto).

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