POR QUE NÃO TE CALAS, GENERAL?
por que não te calas, general? fixe teu olhar
de lentes míopes na velha farda verde oliva
pendurada na cadeira do canto direito da antessala
y lembre-se: um dia ela foi garbosa passada
no brilho, e assim a vestiste como comandante
de tropas com desbravadores pracinhas a marchar
patriotas a guerrear contra forças nazifascistas
no infernal inverno europeu da velha Itália
sinta na farda, general, como cintilam ainda as
quatro estrelas – oito sobre teus ombros –
rumo ao buraco negro da Cosmologia de um
triturador de planetas estrelas e sistemas
galácticos que giram por todos os lados atraindo
tudo aquilo que nos rodeia para dentro de um
energético campo magnético onde vai dar em
nada nada nada do que buscamos encontrar no
sem-fim deste lugar onde sequer sonhamos estar
pare e pense, general, no silêncio deste infinito moinho
sideral onde repousa um complexo dialético de mundos
seres signos sentimentos de forças contraditórias a nós
levar para um além inimaginável de qualquer poder
terráqueo: nada a ver com este poderzito de mierda,
tão microscópio, poeira passageira, três zeros à esquerda,
diante da grandeza que a natureza nos proporciona
não funciona a pequenez mesquinha da podridão
idiotizantes fofocas fruticas intrigas fakes
fraticidas que produzem anticlimax do caos suástico
o humano é cisco no olho e ilusão. imagine o tamanho
do teu País-pátria-nação, general; & não desonre tua velha
farda de calça descosturada nos fundilhos. não mais traia
tua tropa tão estuprada por tentativas de usos avessos;
nem achincalhe nossa bandeira onde juraste lealdade
à Constituição e aos poderes da República que estão
cansados de serem sacaneados por podres corruptos
de princípios meia-bombas. reconstrua a tua democracia
interior fragmentada por negociatas sigilentas; não
cuspas no chão do quartel onde marchastes tuas botas
vai cuidar, general, do teu velho pijama de seda chinesa
& não ceda mais os caminhos evolutivos do bem-estar
da nossa gente produtiva e inventiva, esse teu povo
miscigenado trabalhador honesto e feliz que caminha
pelas trilhas e pelos trilhos urbanos selvagens das florestas
onde permitistes queimar para a venda do nosso pau-brasil
cujas quadrilhas envenenam rios matas peixes indígenas
sabes que dia é hoje, general? 20 de novembro de 2022
dia de Zumbi, o de Palmares, o comandante dos quilombos,
o da libertação do povo africanos trazidos escravos. assim,
aprenda a tratar o teu silêncio não como sigilos centenários.
esses serão quebrados em respeito à vontade e aos destinos
dos que só possuem um dono: eles mesmos escolheram
os caminhos da liberdade, da verdade e da fraternidade
por fim, general, saiba que o buraco é mais embaixo
sem mais a tratar, passar bem e faça-me o obséquio de tomar
o seu rivotril para evitar os pesados pesadê-los (e não tê-los).
Rio, Laranjeiras, praça São Salvador
Luis Turiba é pernambucano criado no Rio de Janeiro. Tem a idade do Maracanã e trabalhou toda vida com textos, notícias, culturais e políticas - e muita poesia de invenção e busca de uma linguagem própria. Na década de 70 foi morar em Brasília, onde trabalhou no Correio Braziliense. Em 1985, com o fim do ciclo das ditaduras militares, fundou com um pequeno grupo de jornalistas e designers a revista Bric a Brac. De volta ao RJ, publicou três livros pela editora 7 Letras: Qtais, Desacontecimentos e Poeira Cósmica. Criou o bloco de carnaval Mistura de Santa e em 2022 voltou a editar uma nova Bric a Brac, a sétima, em celebração à Semana de Arte de 22.
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