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Foto do escritorREVISTA ZUNÁI

TRUNFO BALDADO por Adriano Espíndola



Não saio por aí falando para ninguém. Não sou desse tipo, desavergonhado, irresponsável, como certas pessoas podem pensar. Eu tenho mais o que fazer do que ficar cuidando da vida alheia. Olha só: às cinco me acordo para dar tempo de preparar as coisas dos meninos; depois, ponho para tomar banho, um por um – não queira saber o sofrimento –; os meninos não querem tomar banho de água fria; tenho de esquentá-la para os três infelizes mimados. E o melhor está por vir: tenho que aprontar a marmitinha do “bonito” do meu marido, para ele levar, às sete horas, para o trabalho. Vê só se eu tenho tempo para disse-me-disse, conversa de botequim. Marisa apareceu na minha porta na quarta-feira, umas dez e meia, dizendo que precisava conversar “uma coisa séria – seríssima!”, como definiu. Pois bem. Respondi que tinha muito o que fazer, mas, se era para ajudar, estava pronta para ouvir. Maldita a hora em que concordei. Marisa entrou, mal tinha aberto a porta, feito uma cavala batizada. Nem limpou os pés, imundos. Não suporto sujeira. Em dois minutos, enquanto ela deu uma volta pela cozinha, retornei passando o pano pelo lugar do rastro. Ela diz que sou esquizofrênica, porque vivo limpando, limpando… Acaso sou obrigada a viver no lixo? Se não fosse eu, a casa seria uma imundície. Daí a pouco, já sentada, ela resolveu despejar uma ladainha gigantesca, contando os fuxicos do bairro. “Ô, mulher, eu lá quero saber disso?! Tanto faz se fulano fez isso ou aquilo. Foda-se o cabelo do morto!”. “Ah, não quer saber?! Pois a Fernanda tava dando em cima do Silva, viu?!”. “Como é que é, aquela rapariga?! Pois conte, vá, desembuche!”. Saber que o Silva é um cachorro, disso eu sei de cor; mas que dava trela para a Fernanda, uma putinha de quinta, isso eu não aceito! Marisa, então, com a cara mais lavada, com um sorriso de canto de boca, declarou que tinha fartas provas para mostrar, se eu cismasse em não acreditar, mas que precisava de minha confiança para dizer tintim por tintim. “Pois fale, mulher, pelo amor de Deus! Claro que eu acredito!”. “A danada, Josy, é acostumada a roubar o marido das outras. Ano passado, porque a Meire não deu conta do tranco, com umas moagens de dor de cabeça, levou o Jailson; com menos de um mês, abandonou o babaca na rua da amargura. Vai ver, lá na rua debaixo, o fulaninho deve estar às quedas, bêbado que não sabe nem a placa do caminhão que passou por cima dele. Por isso, meu amor, eu lhe digo: cuide do seu homem. Já tem um bocado de gente falando, uma conversa danada, que você vai perder o marido para a Fernanda, a bandida, a destruidora de lares. Pois, se eu fosse você, arrumava um jeito de dar uma surra na infeliz; e, se precisar de mim, tô por aqui!”. “Conte mais, Marisa, que eu quero entender essa história para passar a limpo com o Silva”. “Não arranje confusão fora de hora, minha irmã; o Silva vai se fazer de doido. É melhor pegarmos os dois no flagrante. Deixe comigo, que eu aprumo esse negócio!”. O Silva chegou do serviço, com uma hora e meia de atraso. “Que foi, hein, seu cabra?! Uma hora dessa?! Eu aqui atolada de coisa para fazer!”. “Nada, não… É que o Luiz me chamou para arrumar o carro velho dele. Só eu que sei desses troços. Fazer o quê?! Não teve jeito”. Logo desconversou e rumou para o quarto, para tomar banho. Josy apelou a todos os anjos e santos para arranjar uma iluminação. Não queria contar com a Marisa, porque a cobrança, depois, sairia muito cara. Os meninos já postos nas suas respectivas camas, o marido roncando, e Josy não conseguia dormir, arretada do juízo. Pensou: “E se eu seguir o malandro na saída do trabalho… Amanhã, sem falta, pego ele!”. No outro dia, a sina de mulher e mãe a amargurava. Tinha de fazer isso tudo para nada? Para o seu homem não dar valor? À tarde, não vendo escapatória, pediu a Marisa para cuidar dos meninos, enquanto ela iria resolver um “negocinho” no Centro. Marisa entendeu e deu o maior valor ao furdunço. “Ei, mulher, tire foto; filme a cara do desgramado!”. Josy não sabia onde enfiar as mãos, de tão nervosa; mas, mesmo assim, seguia o homem dissimulado. Silva ia, tropega, em direção oposta à sua casa. Fez Josy pegar canseira, com seis quarteirões, esticados; andando. Parou num boteco e bebeu duas doses de pinga. “Ah, bandido!”. Saiu de fininho e, no meio da quadra, entrou num ponto esquisito, fechado. Era um beco, que, no fim, tinha uma porta parecida com a de um cofre. Nada de Fernanda aparecer. Ou estava já no recinto. Silva saiu, uma hora depois, exausto, limpando o suor; cabisbaixo. Na esquina seguinte, deu de cara com Josy; o susto maior do mundo: “O que é isso, mulher?! Que negócio é esse?!”. “Eu lhe peguei no flagra, seu cachorro!”. Quase enfiava a câmera no focinho do acusado. “Conte logo tudo, seu traste! Eu vi você entrando naquela casa de portão preto… Tá de sacanagem comigo; uma mulher decente, que nunca conheceu outro homem; que nunca saiu pra farrear; que nunca deixou os filhos à mingua… Tá tudo acabado!”. Silva se arrastava aos seus pés, suplicando, pedindo clemência; que a amava muito; que tudo era um maldito engano: “Eu estava… estava jogando… Aquilo é um bingo!”. “Ah, é?! Pois me mostre então!”. “Não posso, meu amor, é secreto; só para sócios e conhecidos. Se a polícia bater lá, vai todo mundo em cana… Eu sou mesmo um vagabundo viciado em jogo”. “Deixa de mentira, seu canalha! Vai logo se amigar com a Fernanda. Tu tá é de caso com ela!”. “Tô não, meu amor… Eu quero é distância dela. A bandida desgraçou a vida do meu amigo; não viu?! Eu tenho minha mulherzinha e sou bem-casado, graças a Deus!”. “Não bote Deus no meio dessa safadeza!”. “De hoje em diante, vou ser um homem de verdade pra você, meu benzinho! Não jogo mais nem palito de fósforo no chão”.


***


Silva voltou para casa, desalentado; parece que levara uma surra. Josy permitiu que ficasse uma noite; mais uma noite; mais outra noite; o homem foi ficando, ficando, e se aquietou, sonso. Quem não queria conversa com ninguém era Marisa, que, por conta da precipitação de Josy, perdeu um bom fuá para contar.




Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.

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