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Foto do escritorREVISTA ZUNÁI

5 POEMAS DE SIDNEI OLÍVIO

Atualizado: 23 de jul.

Arte de Cyane Pacheco


SIMETRIAS DISSSONANTES


em gestos imperceptíveis,

a mímica do corpo

é escultura móvel,

 

vazio da temporalidade

que incita o mundo:

desvio do fio que costura

 

na tela o filtro de luz –

aparência matinal

de um deus sonâmbulo,

 

espectro insone da existência

que, apenas aos bardos, se revela

obscura tez da tempestade,

 

o dilúvio de uma lágrima

e a ferida que não evanesce –

cicatriz do verbo presente

 

na dessimétrica dança do espaço,

cósmica sedução

na borda circular da fissura.



 

 

SUBTERRÂNEA


I

 

poesia nesta hora

ou qualquer outra

 

mão distraída que ensaia

a solução do verso

 

furtivo rito no escuro

(o medo ainda)

 

mesma curva obscena

que o olhar descreve

 

frases prontas

a derrotar ouvidos

 

e gestos a tal ponto

prontos para partir

 

(ainda o medo)

e agora longe daqui

 

II

 

um signo externo

fragmento do acaso

 

palavras e palavras

coberta de palavras

 

numa terra sem chão

vestida de murmúrios

 

ouço o gemido da voz

soluçante

 

o verbo sentencial

que espera impaciente

 

III

 

talvez possa criar

qualquer coisa simples

 

quase estéril

quase grotesca

 

soletrar um conselho

ou uma ácida sílaba

 

(diante do vício

forma oculta da flor)



 

 

COSMOGONIA DO SOL

 

I

 

mãos que descrevem

o mapa do mundo

 

pelo gesto do compasso.

linhas e ângulos

 

incidem roteiros

sob lume de estrelas

 

a espargir mar adentro

o vazio do silêncio.

 

junto à voragem

tudo é cinza

 

e inesgotável: afoga-se

rente às visões

 

(como fitar

não pudesse)

 

o brilho cego

da tempestade

 

à longa margem

do naufrágio.

 

II

 

no fundo da infinitude

o horizonte se reparte

 

em cumes desnudos

onde a noite se deita.

 

III

 

um galo tardio

apressa a manhã:

 

a vida se estende

sobre o precipício

 

e a clivagem do barro

que retalha

 

o hábito da luz

(asas do espaço

 

que reverbera

o canto.)



 

 

VIDA RECONCILIADA

 

I

 

eis o relato das tempestades

emocionais: de quando

 

em quando, encenar tristeza

como se a vida não fosse

 

tragédia, círculo

de cinismo

em face de tudo.

 

II

 

a estratégia do mundo além

da metafísica –

realidade empírica

 

da teoria conformista

verdadeiras sombras

e vestígios

 

do simbólico verbo

que não guardou lugar

 

para todos: felicidade

é um momento

que passa sem você olhar.

 

III

 

qualquer palavra em riste

não bastaria,

 

mas a ponta de uma faca

iniciando o corte

 

é razão insurgente:

axioma infindável

da filosofia

 

experiência poética das ruas

frente ao próprio tempo.

 

IV

 

(felicidade é novo argumento

para você anotar.)



 

 

GÊNESIS


“Não há e nunca houve

big-bang

apenas metamorfose”

 

Marcos  Siscar


I

 

mãos gravadas na parede

pelo contorno da flecha

 

sangue que se fez tinta

na brecha ancestral

da origem do verbo

 

impressão de signos

que descobrem a textura

da primária rocha

 

II

 

cabe na caverna

feições de casa

desalento do espaço

abóbada de sombras

estalactites e alguns ossos

 

nossos vestígios lado a lado

desdobram-se feito dois nomes

dois amores perplexos

destinos acorrentados

 

(nomes que no mundo

nada dizem além da sombra

projetando o mito)

 

III

 

vidas insólitas

nirvanas em transe

nenhuma raiz

 

sequer um retrato

das tragédias sem textos

 

halos apenas

de aurora e crepúsculo

fúteis sinais da existência

 

IV

 

o desmedido tão próximo

dos nossos olhos

ao divisarem bioma inóspito

 

solidão de matas

assombradas na sina

de se tornarem mundo

 

V

 

vindo antes

da etimologia do verbo

um verso de vento

na fugacidade

de pequenas asas

 

cenário da era

na hora extrema

inconfessadas angústias

do esquecido éden

dá voz ao retórico 

 

VI

 

um poeta soletra

a primeira estrofe da gênese

sem ritos que ressoem

ecos geodésicos

 

torrentes de assombro

brotam do âmago da terra

feito plutônico pranto

 

magnitude simbólica

da epopeia perdida

cânone afeito ao fim



 

 

Sidnei Olívio, natural de São José do Rio Preto (SP), é biólogo de formação  e poeta por convicção. É autor dos livros  Zoopoesia, 1999 (em coautoria); PoesiaAnimal, 2000 (em coautoria); Mutações, 2002 (em coautoria); Concretos & Abstratos, 2003; O limite da razão,  2011; Uni-verso: a natureza da poesia e a poesia da natureza, 2012; A transgressão da palavra, 2013; As sete faces da cidade, 2014; O que desmanchamos em pedaços, 2017; A visão poética do abismo, 2018; Poesia Invertebral, 2019 (e-book bilingue em coautoria); Poesiaé um lugar que não se revela,  2021; Tratado das Significações originais, 2022; Signos de passagem, 2023.

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