Arte de Cyane Pacheco
AINDA
Nem começo nem fim.
Onde você, teu jeito de
andar, respirar à flor da pele.
Muito a dizer de você
ainda.
O QUADRO DA NOITE
Vi a noite empoleirada
num galho e tudo
estava em paz.
O pântano sorria ao
redor. Ao astros a
erguiam nos braços.
Seu verniz corria na
casca de um tronco
e batizava a terra.
EU, MANEQUIM
a Hans Bellmer
Meus restos vão no canto:
meus cabelos pujantes,
minhas galochas dançantes,
assoalho afora.
Meus restos vão no canto,
como nunca foram.
Meus órgãos são
devaneios gráficos.
Meus restos vão no canto.
Meu falo fumegante
empurrei-o no ânus
na ânsia de contê-lo.
Meus restos vão no canto.
Um cutelo me esculpe
e a carne enche
a alma de medo.
Meus restos vão no canto,
como um ovo cozido,
uma coruja vesga
deflorada em luz.
Meus restos vão no canto:
meus amores trepados,
a beleza do urinol
que espia a cena.
Meus restos vão no canto
e não sei o que dizer.
Não antes disso.
Não antes do poema.
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